sábado, 18 de abril de 2020

Viver em tempo de pandemia... Num lar de idosos!

Quando dizem que na universidade não aprendemos a trabalhar, é verdade. E a verdade depois desta é que a vida, sim a vida, é a maior escola. E neste último mês e meio tenho aprendido mais do que nos meus jovens 28 anos de vida. Hoje tomo consciência do que quero e do que não quero. Hoje vejo-me como alguém que procura ser infinitas vezes mais do que aquilo que é. Hoje não sei viver com isto do COVID. Mas tenho uma certeza. Se isto está a acontecer é porque vamos aprender algo daqui. Porque, na verdade, como o filme "Os Dois Papas" partilha "Não há coincidências. Estamos nas mãos de Deus".



No início de Março estava nos Açores de férias. Regressei e estava tudo bem. Acreditava e defendia que isto do COVID era só um exagero. Trabalhei dois dias dessa semana porque retomei na 5ªfeira. Sábado, 07 de Março, liguei os dados móveis e tinha imensas mensagens. As visitas no lar foram suspensas. O coração apertou! Não tive tempo de preparar as famílias para isto. Pior do que tudo... Não tive tempo de preparar os meus utentes para isto. Seguiram-se reuniões sem fim, medidas de contigência... Inconformidades nas medidas propostas pelas autoridades superiores. Fazia sentido manter o funcionamento do Centro de Dia quando as visita foram suspensas? Não... Mas o encerramento do Centro de Dia só foi "autorizado" num sábado... Reunimos equipa técnica para transitar os serviços para os domicílios, reorganizar equipa, avisar famílias... E mais uma vez, não tive tempo de preparar os meus utentes desta mudança. Sabendo desde o início que alguns deles não têm condições para tomar banho em casa, nem para comer em casa. Sim, esta realidade existe! Os recursos humanos tinham de ser poupados. E felizmente, contamos com uma rede de apoio social enorme e solidária! E hoje, desde esse dia, que as autarquias locais trabalham connosco, em prol da continuidade dos serviços e cuidados básicos. E por isso, deixo aqui a minha gratidão a estas autarquias! Com os utentes de Centro de Dia mantenho um contacto telefónico semanal, e sinto tanta alegria do outro lado que os meus olhos se enchem de lágrimas de tantas saudades e por sentir tanto do que eles sentem!
De repente... Internamente passa a usar-se máscara. Os utentes deixam de nos reconhecer. E a partir desta imagem, entendem que algo se passa. E são assombrados pelo medo. Embora transmitindo uma mensagem de tranquilidade e de que "é só para vos proteger", faltava muita coisa que lhes dava segurança. O abraço, o toque, o beijinho, o colo... Não temos nada disto há mês e meio. E há cerca de uma semana, por prevenção e pelos sustos que fomos apanhando, restringimos todos os contactos sociais, e o dia-a-dia dos meus utentes acontece no quarto.
A pandemia inverteu também a ordem natural das coisas. Tive de comunicar a uma senhora de 95 anos de idade que o seu filho, o seu "riquinho filho morreu", que se encontrava em França, foi infetado e morreu. O mundo deu uma volta brutal, e dei por mim a ter que comunicar a uma mãe que o seu filho morreu. E isto doeu-me. Doeu-me por saber tanto da sua história de vida e que me torna também da sua família. A partir deste ano, no Verão, não receberei mais aquele senhor alegre que me tratava como família e a cada despedida me dizia "Tome conta da minha mãe. Eu confio em si. Tudo o que lhe fizer falta.". E tudo isto que vos digo obriga-nos a subir mais um degrau neste desafio que é a vida.
Deixei de ver as pessoas com quem trabalho. Falamos muitas vezes por telefone, mas os nossos horários foram reduzidos. Primeiro umas trabalhavam de manhã, outras de tarde; depois outras trabalhavam uma semana e outras trabalhavam outra; e hoje, trabalhamos em regime de internato. Há mensagens e mimos que vamos trocando, mas não há o encontro e o abraço. Mas nisto tudo, vimos o quanto nos unimos. A equipa técnica uniu-se e juntou-se à equipa operacional. Hoje, somos todas iguais. Fazemos o que faz falta, priorizando os cuidados básicos aos nossos utentes. Não há julgamentos. Há respeito pelas decisões e motivações de cada um, pelas fragilidades de cada um. Há olhares que se cruzam e a partilha do sentimento de missão que todos nós temos. E sabem... É isto que nos torna tão especiais. Porque todos somos diferentes. Mas cada um de nós constitui uma peça fundamental do puzzle e da família que é o PASA.
Os contactos com as famílias foram reforçados. Penso que esta é talvez a única tarefa/responsabilidade que mantenho enquanto Gerontóloga Social. Praticamente todos os dias há um contacto a fazer. E se há coisa que aprendi na casa que me acolheu enquanto profissional é o dever de transparência. Procuramos manter as famílias informadas, do bom e do mal. Assisto a algumas videochamadas entre utentes institucionalizados e famílias e não consigo deixar de ficar emocionada com cada uma delas. Já ouvi todo o tipo de perguntas, reações e palavras. Boas e menos boas. Mas o meu papel é este: manter as pessoas informadas e em contacto. Porque isto é o meu possível para garantir o contacto entre os utentes e famílias. É o meu contributo para minimizar a angústia e a saudade que sentem dos seus familiares. É a forma de mostrar às famílias que, apesar da distância física, continuam a fazer parte das decisões e ocorrências.

Com esta partilha procuro dizer-vos que não sei se vai ficar tudo bem, que não sei quando isto vai passar. Sei que isto terá muitas consequências económicas, sociais, familiares. Sei que ninguém está preparado para isto. E sei que, aconteça o que acontecer, todos nós, profissionais do setor social, lutamos com o melhor que temos e podemos.

Uma nota importante: A minha partilha de hoje é dedicada à equipa do Lar S. José do Posto de Assistência Social de Alvarães. Pela sua dedicação, pelo seu empenho e pelo seu altruísmo. A vocês, OBRIGADA!

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