domingo, 14 de junho de 2020

A linha da frente.

Nos últimos meses a expressão "linha da frente" tornou-se frequente. Nesta linha da frente conta-se com o trabalho, força, dedicação e altruísmo de diferentes profissões, destacando-se os profissionais de saúde. Mas eu, puxando a brasa à minha sardinha, incluo fortemente os profissionais de todas as instituições particulares de solidariedade social. E o que quero deixar claro é que a linha da frente não existe apenas hoje em tempos de pandemia, a linha da frente é diária e contínua. Sempre em prol do conforto, segurança e bem-estar dos nossos utentes e famílias.
A minha tese de mestrado foi sobre o processo de institucionalização porque sempre entendi que este é um processo complexo. Exige uma capacidade de adaptação e resiliência incríveis. Seja para os utentes, seja para as famílias. E esta exigência alarga-se a respostas sociais abertas e semi-abertas, como o Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário. Implica reconhecer e aceitar que se precisa de ajuda. Implica abrir a sua intimidade a terceiros que não se conhece de lado nenhum ou que até se conhece, o que torna tudo mais difícil. Implica mudar de vida. Implica deixar para trás princípios e ideias defendidos durante muito tempo. Implica ir contra a vontade da família. Implica adaptar a uma rotina que não é a nossa. Implica cumprir regras de uma vida em comunidade institucional/ organizacional. E este processo de adaptação é constante e dura anos. Dura desde que se é admitido até que se morre.
Mas há também o lado em que se ganha uma nova família, uma nova oportunidade de viver, uma forma de passar os últimos dias da nossa vida com dignidade. E através deste processo criam-se laços e memórias inesquecíveis que nos fazem crescer e ser pessoas melhores. Nós, profissionais, damos a mão, facilitamos contactos, promovemos relações, defendemos direitos, prestamos cuidados, abraçamos, ajudamos a resolver problemas. Estamos lá. Todos os dias.



A verdade é que a cena de separar a vida profissional da vida pessoal é uma treta! É difícil. Há dias em que é inevitável fechar a porta e fingir que amanhã quando voltar estará tudo igual. Com todas estas palavras dizer-vos que a linha da frente é estar ativo 365 dias/ano, 24 horas/dia. Porque a história daqueles com quem trabalho, utentes e colegas, faz também parte da minha história. E isto é estar na linha da frente. Não só em tempo de pandemia. Mas TODOS os dias.
E é por este pormenor, que ninguém vê, que sou tão rica. Porque todos os dias construo um livro de histórias e memórias nas quais, inevitavelmente, sou atriz principal.


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