quinta-feira, 18 de abril de 2019

A benção de dar e receber.

Quem trabalha numa instituição de solidariedade social sabe que, inevitavelmente, se ultrapassa aquela que se chama "barreira profissional". Desde a admissão que somos vistos como alguém importante. Não substituímos as famílias, mas tornamo-nos demasiado importantes na vida daqueles de quem cuidamos. Ou porque arranjamos uma receita médica, ou porque vamos buscar um guardanapo, ou porque somos a única pessoa que faz uma visita, ou porque fazemos uma brincadeira. Por simples coisas, por coisas tão banais na correria do nosso dia-a-dia que cativa.
Tinha acabado a licenciatura há seis meses quando me deram oportunidade de exercer funções enquanto Gerontóloga. Recordo-me na confiança que senti que depositaram em mim, mas recordo-me sobretudo da frase que um membro da Direção da altura me disse "Quisemos ficar consigo porque faz coisas que eu jamais faria. Você toca nos utentes quando fala com eles.". Desde aí, entendi que a minha primeira conquista profissional não era só minha, era de todos os utentes que me viam como "a nossa menina". E toda esta espiral parte da benção de dar e de receber. Espiral esta que jamais será quebrada, porque eu enquanto profissional sou um bocadinho de todos os meus utentes, sobretudo daqueles que já não estão cá.



Sou obrigada a lidar com a partida daqueles que a mim tanto dedicaram, daqueles que abracei com o melhor de mim, daqueles que me disseram nos olhos "Nunca tive uma doutora tão galinha como você", daqueles que no Domingo de Páscoa 2018 percorreram comigo o jardim exterior, daqueles que sorriem à minha chegada, daqueles a quem dei um abraço na ausência de alguém, daqueles que acompanhei quando faltou a saúde, daqueles que me respeitavam e pediam todos os dias para ir buscar o jornal, daqueles que com o apertar da mão me agradeciam por tudo sem emitir qualquer palavra, daqueles que me concederam a benção por saber que casaria com um Manuel. Dói. E a verdade é que ainda não sei lidar com esta distância física. Mas sei que, da mesma maneira que marcaram a minha vida, eu marquei a deles. E é por todas estas lembranças e riquezas imateriais e inexplicáveis que sou tão grande.
E isto que partilho convosco hoje, é a pura benção de dar e receber. Somos pequenos. Somos feitos de lembranças e pessoas. Não somos os mesmos de há uns minutos atrás. Em boa verdade, somos um bocadinho de todos aqueles que passaram por nós.

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