sexta-feira, 21 de junho de 2019

Coração que ama, não tem idade.

É frequente ouvir a expressão "Quem de novo não vai, de velho não escapa". Contudo, nos últimos meses tenho lidado de perto com perdas de pessoas ainda jovens que são apanhadas no abismo da vida e que as leva a partir antes "do suposto". Mas o que eu concluo hoje, é que não tem de haver justiça ou ordem cronológica, nisto que é a morte. A morte faz parte da vida. Mas a verdade é que não estamos preparados para lidar com a morte de quem quer que seja. Poderá até existir uma preparação: alguém que está doente e que os médicos nos alertam "Está por horas". E digo-vos, estas horas são horríveis! A dada altura, estamos esgotados e quase que a desejar que essa hora chegue porque não aguentamos mais que aquele alguém sofra. Porque o que na verdade assusta não é a morte. O que assusta é o sofrimento. Porque para o sofrimento não há palavras de conforto, não há pózinhos mágicos, não há remédios, não há vontades. Há sofrimento e nós não sabemos lidar com isto do sofrimento. Eu não sei. E cada vez que isto me acontece, abre-se uma ferida que demora a fechar e que me faz pensar sobre aquilo que penso sobre a morte. No entanto, hoje quero falar de amor.





Hoje tive de comunicar a uma esposa que o seu marido morreu. Tudo isto começou com uma agudização do estado de saúde do marido, seguido das palavras do médico "O estado é critico. Está por horas", com o envolvimento e apoio incansável da neta, até à notícia do fim. Um casal que acompanho há cinco anos. Que acompanhei todo o processo desde a sua integração em SAD até à institucionalização. Uma dedicação, uma necessidade controlo, apesar dos apesares da vida. Assisti a muitas trocas de beijinhos carinhosos. Fui confidente de muitas situações. E agora, depois de algumas horas, sinto o choro daquela esposa desesperada porque "o meu amor se foi embora". Hoje o coração daquela senhora ficou mais pequenino, mas estou certa de que, apesar deste e dos outros apesares da vida, o amor permanecerá sempre. O amor será sempre um. E enquanto houver amor, será vida por infinitos anos. Sim, porque, como o Toy canta, coração que ama, não tem idade.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Sobre esperança.

Ser Gerontóloga e trabalhar numa IPSS, implica contacto permanente com pessoas. Pessoas que se dividem em utentes, equipa operacional, equipa técnica, Direção, comunidade envolvente, parceiros... Todos aqueles que contribuem para o bom funcionamento, crescimento e estabilidade da instituição. Hoje quero falar-vos de uma jovem que foi minha estagiária, a Adriana.
A Adriana estudava a licenciatura de Educação Social Gerontológica, tendo integrado a instituição em que trabalho no ano de 2016. Era uma jovem tímida. Linda, muito branquinha e um sorriso envergonhado. No seu primeiro dia entrava sol pelas janelas da sala 2. Aceitou a atividade de apresentação e trouxe "A Teia". E ali, do nada, partilhou que a sua avó era a pessoa mais importante da sua vida e que vivia com ela. Logo ali soube o que a motivava por ter integrado a nossa licenciatura. Não falava muito, mas era de um pontualidade, responsabilidade e dedicação sem igual. Na altura das férias da Páscoa pediu-me para não ir algum tempo, pois o seu pai vinha cá e queria muito estar com ele. E nesse momento, partilhou comigo mais um bocadinho da sua história de vida. Fazia atividades individuais e de grupo, tudo reflexo do seu esforço e paixão que nutria por aquilo que fazia. A dada altura fui alertada para a ansiedade que manifestava e cansaço que sentia. Procuramos abrandar o ritmo, mas a Adriana quis sempre mais. A meados de Maio não apareceu. Enviou mensagem mais tarde a dizer que estava doente. Passados alguns dias enviou novamente mensagem que tinha sido diagnosticada leucemia. Foi difícil aceitar o "bicho". A duas semanas de terminar o estágio, a Adriana teve de deixar de lado a vida académica que tanto a preenchia. Foi-se abaixo. Mas, como era tão característico dela, não falava muito do que sentia. Acabou a licenciatura no IPO, depois de deixar claro e pedir esta oportunidade. A Adriana era licenciada em Educação Social Gerontológica. Enviava mensagens de força, a que me respondia dias mais tarde, explicando como a sua doença a impedia de estar tão contactável. Meses mais tarde, recebi um apelo de uma colega de trabalho, amiga em comum, que expunha dificuldades económicas da família dela. Unimos esforços e conseguimos juntar algum dinheiro para lhe dar.
Era fim de tarde. Liguei-lhe e disse "Olá Adriana! É a Melissa. Consegui juntar alguns fundos para a ajudar.". Senti que do outro lado haviam lágrimas a correr, e infinitos obrigadas me foram ditos. Combinamos que iria ter com ela para lhe entregar. Contudo, não foi possível, porque ficou mais doente, tendo acabado por fazer transferência. A Adriana fez transplante e tudo correu bem. Recebi uma mensagem que me mostrava força e dizia que estava bem, prometendo uma visita para matar saudades. A Adriana criou um blog em que partilhava as suas vivências e conselhos, transmitindo desde sempre  fé e esperança: https://leucemia583950878.wordpress.com/2019/05/09/469/?fbclid=IwAR18CQtmQZHIj-CAnk1LMapWbSdwhY2CtNfhNFnP7lcpPJ1CXmhSgE3UKdE



Através da sua página de Facebook tive conhecimento de que teve uma recaída. Foram muitos os esforços da sua família. Sofreu muito. Mesmo não tendo visto, as palavras que partilhava faziam pensar e refletir.
A Adriana faleceu no domingo. E posso afirmar que a Adriana foi uma lutadora. Por apesar de todo o sofrimento inerente ter acredito naquilo que a movia: o amor da família. Estive presente no seu funeral. Não é um momento fácil, mas ela pediu a minha presença.
Quando a vi, senti paz. Consegui compreender aquilo que o Padre disse na missa "A Adriana atingiu a plenitude.". Não tive dúvidas disso. Vestida com o seu traje académico e um ar muito tranquilo. Não haviam pessoas vestidas de preto. Havia jovens, adultos, crianças e mais velhos. Tinha muitas flores. E a cada pessoa que chegava era entregue uma rosa branca que foi entregue no momento da despedida. Impressionou-me a quantidade de jovens com o seu traje académico que lançaram a capa ao chão, pela qual a Adriana passou. A minha capa esteve lá. E eu tenho a certeza de que aquele momento foi como a Adriana o desenhou. Com amor, amizade e calor humano.

Claramente que ninguém fica indiferente a esta história. A Adriana tinha 23 anos. A Adriana era uma lutadora. A Adriana é um exemplo de vida. Apesar de não sermos tão próximas assim, guardarei a Adriana para sempre no meu coração! E cada vez que me lembrar da Adriana, serei esperança.

A linha da frente.

Nos últimos meses a expressão "linha da frente" tornou-se frequente. Nesta linha da frente conta-se com o trabalho, força, dedicaç...