domingo, 11 de novembro de 2018

Autonomia, dependência e cultura.

O destino da lua-de-mel foi Punta Cana, onde fui recebida com calor e boa vida! Este foi o corte ideal depois de semanas tão atribuladas como as anteriores. No destino fui brindada por pessoas de diferentes origens. Origem esta pautada pela diversidade e respetiva cultura. Esta cultura era evidente na língua, na postura, na cor, no tom de voz, na língua, na maneira de vestir, na maneira de estar, no comportamento. Chamou-me especial atenção os idosos que, como eu, frequentavam aquele espaço.


Haviam pessoas com claro poder económico, ao que eu chamo de "bon vivant". Autónomos na marcha. Comiam e bebiam ainda melhor. Não que eu estivesse a tomar conta do que cada um comia, mas sou observadora por natureza. Chamo a isto de defeito de profissão! Com capacidade de decisão. No resort haviam igualmente restaurantes para diferentes gostos, tendo eu frequentado um diferente cada noite. E era no momento das refeições que conseguia ter melhor perceção da realidade envolvente.  Além desta maioria, e é sobre isto que quero falar, observei também indivíduos, claramente idosos, que deambulavam com apoio de bengala, andarilho e cadeira de rodas. Aqueles com maior autonomia física tinham, por sua vez, alguém mais jovem para os acompanhar. Ali estavam eles, a curtir as férias, sem problema, sem pudor.
Numa das noites, estava um casal mais idoso, de origem americana, acompanhados por uma jovem bem arranjada, com vestido curto e decote avantajado, sentado com pernas à chinês. Passaram-se muitas coisas pela cabeça. Sim, essas feias e mesquinhas! No fim, apercebo-me que se trata de uma família: avós e neta. Fiquei desapontada comigo mesma. Pela minha mente mesquinha! Desenvolvi juízos de valor perante um momento, revelando-me injusta. Era uma família que estava a aproveitar as férias. A neta era jovem, o avô muito idoso, consciente e andava de bengala e a avó ausente, trémula, respondia com gestos e andava em cadeira de rodas. Simplesmente isto.
Tudo isto leva-me a pensar sobre a maneira como a cultura influencia a dependência. Olho para Portugal, para a realidade que me envolve. Não é comum ver pessoas a passsear em cadeira de rodas ou com apoio de bengalas. Salvo se acompanhados por alguma instituição. E mesmo assim... Tenho o caso de uma utente, institucionalizada há 10 anos, ainda adulta, que sofreu um AVC, deambula com uma muleta, não mexe o lado esquerdo. E mesmo em distâncias longas não aceita o apoio de cadeira de rodas. E evita sair, frisando que tem vergonha de ser vista como uma incapaz. E o meu papel, enquanto pessoa e profissional, é respeitar esta decisão. Porque a senhora ainda tem esta capacidade. E acima de tudo direitos.
Ora bem, temos aqui dois contrastes diferentes. Um pau de dois bicos, como se costuma dizer. Duas realidades e culturas diferentes. Nenhum certo, nenhum errado. Nenhum melhor, nenhum pior. Porque cada um tem uma visão diferente, marcada pelo percurso de vida, pela história de vida e pelo contexto em que se insere. Antes de julgar ou tecer comentários, é acima de tudo relevante, qual é realmente a vontade daquela pessoa. Há muito nesta temática a desenvolver. Já sei que não vou mudar o mundo, nem me compete a mim mudar mentalidades. Mas quero frisar que, na maioria das vezes, somos nós quem cria muralhas à nossa volta, que não nos permitem crescer, ou ver além. E primeiramente, priorizar a intervenção com a sociedade em geral. Depois, o resto vem.

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