sábado, 25 de agosto de 2018

Realidades paralelas

Regressei hoje da digressão cultural 2018 do grupo folclórico de que sou membro. Foi em 2003 que ingressei no Grupo Folclórico e Cultural Danças e Cantares de Carreço, no qual permaneço enquanto dançarina. Este ano deslocamo-nos a França, nomeadamente, às vilas de Lezay, Le Donjon e Décize. Uma experiência interessante, mas absolutamente cansativa! Nos festivais de folclore da França é comum sermos acolhidos por famílias. Através desta aventura folclórica, é-nos permitido conhecer e partilhar noutras rotinas, noutros costumes e noutras culturas. E o que daqui retiro é a abertura daqueles que nos acolhem. Claro que é estranho chegar a casa de alguém, passar dois dias e ir embora. Mas o que mais me fascina é a hospitalidade destas pessoas! Incrível! Cada um abre as portas da sua casa, acolhe-nos e oferece o que melhor tem (mesmo que nem sempre isso nos agrade ou nos deixe confortáveis). Chamo a isto crescimento pessoal ;)

Na segunda vila por onde passei, uma das atividades era uma atuação num lar de idosos, em França chamado de Maison de Retraite (cuja fachada principal está na fotografia acima). Tinha muitos olhares atentos à nossa chega, às nossas cores, à nossa música... Mal vi aqueles idosos, tão ansiosos e felizes com a nossa presença, senti os meus olhos encherem-se de lágrimas. Partilhei aquela emoção e senti um aperto no coração de tantas saudades que tenho dos meus utentes! Alguns idosos sentados em cadeiras de rodas, outros com olhares ausentes, pernas inchadas, roupas próprias. Foi-me fácil chegar até eles pela facilidade que tenho em falar francês. Fui recebida com abraços, beijinhos e apertos que manifestavam não querer mais largar-me. Alguns deles partilharam as suas histórias de vida. As típicas questões de onde vinha, se conhecia a prima, ou que os filhos a tinham abandonado ali. Histórias de vida marcadas pela necessidade de atenção! Fui convidada a entrar no edifício e percorrer os corredores, de maneira a levarmos música até àqueles que não podiam descer. Entrei num piso bloqueado por uma porta que se abria ao colocar um cartão. Nesse piso concentravam-se todos os cuidados e profissionais. Auxiliares e enfermeiros, equipamentos de saúde. As mesas das refeições eram preparadas num espaço mais alargado. Alguns permaneciam nos quartos devidamente adaptados, outros deambulavam pelo corredor com olhar perdido, outros viam televisão. A sala dos técnicos era ali naquele piso com visão alargada para o mesmo, com grandes vidraças a toda a volta. Entrava sol por  todo o lado. Pelo que percebi junto da animadora, os residentes são segregados por piso, consoante o seu grau de dependência. Houve um senhor que veio ao nosso encontro. Chamava-se Pedro. Perguntei-lhe se queria experimentar tocar caixa, ao que respondeu com um sorriso tímido. Pegou na baqueta e procurou um ritmo. Na sua expressão a felicidade pelo momento que vivia, ao mesmo tempo angústia por a sua mão não corresponder ao seu comando cerebral. Segurei-lhe a mão e estimulei a ação, tendo ele correspondido, procurando "imitar" o gesto do amigo meu que levou música às instalações daquela casa. O sorriso do Sr. Pedro aumentou, e com tão pouco fizemos muito! A nossa passagem por aquela casa terminou com uma fotografia de grupo seguida da oferta de bandeiras portuguesas que eles fizeram.
O que mais me fascinou foi aquela proximidade entre todos os residentes e todos os profissionais. O fardamento era igual para todos os profissionais. os recursos necessários estavam próximos, aquele espaço era para os utentes de acordo com as suas características. Não havia cheiro. Havia simplesmente harmonia.
Gostava ainda de partilhar convosco a particularidade de se anunciar previamente a admissão de um novo residente. Em todos os elevadores e portas de entrada tinha uma folha muito simples a anunciar que uma senhora seria admitida no dia x de Agosto, se chamava y e que ocuparia o quarto zzz. Achei espetacular! Imaginei  qual seria a sensação do utente que seria admitido ao ver aquela informação breve e familiar, que acalmaria a ansiedade do novo residente. Não era comigo e eu fiquei super feliz com aquele gesto :)

domingo, 5 de agosto de 2018

Meu querido mês de Agosto.

O mês de Agosto é particularmente difícil. Trata-se de um mês exigente em termos de trabalho, pois a ausência de alguns colegas de trabalho leva à necessidade de reforço de funções. No entanto, hoje escrevo-vos sobre o papel das famílias neste mês em especial.
Na freguesia em que trabalho há uma predominância de emigrantes em França, grande parte deles, filhos de utentes das respostas sociais que coordeno (Estrutura Residencial para Pessoas Idosas e Centro de Dia). Aproveito a sua presença para regularizar os processos individuais dos utentes (esclarecimentos acerca da comparticipação mensal, apresentação do Plano Individual e diálogo sobre a sua situação clínica). E nesta parte, além da dificuldade em recordar um ano de trabalho, há ainda a dificuldade por parte destes familiares em compreenderem o sistema português que condiciona e limita tanto os direitos dos nossos utentes, quando comparado com o sistema francês. O que eu sinto é que ao longo dos anos tenho maior facilidade em responder às questões que me colocam, e a maneira como o outro lado responde, concretamente as famílias, é numa lógica de confiança. Porque é isto mesmo. Confiam em mim e na instituição que represento para cuidar dos pais e gerir as suas necessidades.
Outra particularidade deste mês é o aumento das inscrições para lar. Se eu vos disser que recebemos uma inscrição por dia, acreditam? Chegam famílias desesperadas porque encontram os seus pais sem cuidados mínimos e numa situação de dependência grave que não faziam ideia e têm hoje de lidar com ela. E lá vem a tão frequente resposta "De momento não temos vaga". E esta ausência de vaga alarga-se a todas as respostas sociais de que a instituição dispõe. É feita a inscrição que integra uma lista de espera que ultrapassa as 160 inscrições e oferecida uma listagem de instituições do concelho para que o familiar requerente alargue as inscrições, manifestando a sua falta de esperança. E eu pergunto: para onde caminhamos?



Contudo, nem tudo o que se vive neste mês tão exigente é mau. Assisto ao reencontro das famílias dos nossos utentes. A ansiedade em que vivem por saber que chegou Agosto e os seus "filhinhos" estão para chegar. Vivo os seus sorrisos, as suas lágrimas e as suas expressões felizes por se sentirem completos. Uma utente minha partilhou comigo ainda esta semana a expressão "Afinal ainda tenho vida!". Não é bom? Com isto, e para concluir, que o amor, tenha ele ultrapassado montes e vales, doçuras e amarguras da vida vale tudo. Uma história mal resolvida, a falta de apoio para determinada necessidade, a ausência de meses a fio sem qualquer telefonema... Tudo isto é esquecido com um abraço choramingão! ;)

A linha da frente.

Nos últimos meses a expressão "linha da frente" tornou-se frequente. Nesta linha da frente conta-se com o trabalho, força, dedicaç...